03 setembro 2006

Ontem à noite

Já eram umas horas jeitosas da matina quando opto por uma última paragem na casa de banho, antes de me render ao leito real para um sono merecido. Ao entrar, reparo, por um acaso, no cortinado da janela, que ondula ligeiramente.. não uma ondulação à costa Oeste, mais uma ondulação à mar algarvio. Não é estranho o cortinado ondular. A janela estava entreaberta, Mas a janela está sempre entreaberta.., e lá fora ouvia-se o vento. Tudo numa boa, tudo controlado. Movia-se de modo gracioso, com elegância, com classe, claramente ao sabor da brisa teimosa que se esgueirava, sem ter sido convidada, pela fresta da janela. Porque não havia o cortinado de ondular..? Há alguma lei que o impeça de fazer isso? Não creio. Mas vou investigar. A dança inocente desse pedaço de pano animado por magia, Que não é magia, é só o vento.., arranjou, no entanto, e sei lá com que meios, maneira de me conseguir desconcertar.. hipnotizar.. e assustar.

Pús as mãos debaixo da torneira.. Um splash frio aclara as ideias num instante.. e levei-as à cara, de modo a tapar os olhos e pressioná-los com a ponta dos dedos. No meio da escuridão, naquela em que é impossível enxergar o quer que seja, a não ser a lembraça visual de uma luz muito forte.. lá estava.. a minha janela.. e o cortinado a dançar.
Senti então uma dor no estômago, como se um punho saído do ralo do lavatório me tivesse agredido com um soco certeiro e silencioso. Senti as mãos que me protegiam a cara a tremer.. O que é isto?.. o coração a acelerar a fundo daquela maneira que o condutor português gosta e.. medo. Medo de voltar a abrir os olhos e de ver, no espelho, sobre o meu ombro, o reflexo de alguma visita inesperada, tão mal-educada e tão pouco convidada como a brisa da fresta da janela. Teresa, pára com isso, já não tens idade para estas coisas.. Mas aí sinto um cheiro a.. Sangue?!.. Sim, sinto o cheiro e o sabor na garganta!.. Mas não, não é nada, sou eu que estou a apertar os olhos e o nariz com uma força tal que não é de estranhar que se queixem. É só isso, é só isso, é só isso, é só isso, é só isso, é só isso.. Afasto as mãos e abro os olhos. Nada. No espelho, só eu, branca como os azulejos atrás de mim.. e do meu lado direito, o cortinado, na mesma.

Enquanto lavei os dentes, não despreguei os olhos do meu objecto de contemplação e, quando me voltei para o lavatório, continuei sempre a vê-lo pelo canto do olho, desconfiada, à espera que algo saísse debaixo daquele tecido branco com patos bordados a azul, que não parava de ondular.. ondular.. ondular.. ondular.. até que... ... parou. Parou? Como assim, parou?! Porquê?! Fez-se um silêncio de pedra. O vento lá fora calou-se como se cala um miúdo a mando do pai com um chinelo em riste, e a casa toda estagnou, feita estátua, como se alguém tivesse dito "Um, dois, três, macaquinho chinês!".
Eu fiquei tal e qual como estava, imóvel, de escova de dentes levantada em jeito de arma, e com o queixo e as mãos molhadas ainda a pingar no tapete. À espera.

Ainda à espera..

Nada.

Ainda nada..

Viro costas, decidida a acabar com aquilo, com um sorriso vitorioso que não era humanamente possível evitar, mas.. ainda não tinha dado um quarto de volta quando se ouve novo assobio do vento. Hmm.. Momento de hesitação. O coração acelera, perigosamente, acima do limite de velocidade e.. para os lados da garganta, o nó que se fazia sentir indicava acidentes na via e engarrafamento pela certa. Grrr.. Mas não cedo, não olho para trás, inicio sim o meu caminho na direcção do descanso, porque.. Minha menina, chega de emoções por hoje..

2 comentários:

Carapaus com Chantilly disse...

WOW!
quando isso aocntece é só ir ao computador e desanuviar pelos blogs dos amigos! :P
veis ver que passa e que ninguém te faz mal! :D

Teresa disse...

Naa.. eu sei q ninguém me faz mal, mas.. n posso evitar a pele d galinha... ;)